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AUGUSTO DE CAMPOS E A INFOXICAÇÃO EM TEMPOS DE IA / JOÃO SCORTECCI

Um dia de cada vez. Lendo sobre o uso e aplicação de ferramentas de Inteligência Artificial na literatura, encontrei algo do outro mundo – literalmente. Já chegamos lá? Talvez. Estava trabalhando numa apresentação para a Abigraf – Associação Brasileira da Indústria Gráfica, intitulada “O produto livro – Das responsabilidades da Indústria Gráfica”, quando dei de cara com um artigo do outro mundo, em que se dizia que um centro espírita estava usando IA, para se comunicar com pessoas que já haviam morrido. Conversas do além, algo assim. Gosto do assunto – muito – o que me obrigou a ler o artigo inteiro. Faz parte. Aqui com as almas penadas da literatura: já imaginaram incorporar uma identidade IA? Receber um mix de escritores malditos, concretistas, modernistas e parnasianos? Doideira! Verdadeira infoxicação literária. Descobri, ainda, que a palavra "infoxicação” é a junção das palavras "informação" e "intoxicação", conceito concebido pelo físico espanhol Alfons Cornellade, para designar a situação em que uma pessoa tenta receber e analisar um número de informações muito maior do que seu organismo é capaz de processar. Dizem – não sei se é verdade – que um ser humano tem a capacidade máxima de ler 350 páginas por dia, caso faça apenas isso o dia inteiro! Desconfio. Já o volume de informações que recebemos diariamente pela Internet é de cerca de 7.355 gigas, o equivalente a bilhões de livros! Lendo sobre os 94 anos do incrível escritor Augusto de Campos e o lançamento do seu livro “Pós Poemas”, algo me chamou atenção – além da conta...
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POETAS BISSEXTOS – “ESTADO DE GRAÇA DE RARO EM RARO” / MARIA MORTATTI

“Bissexto” (do latim bis sextum) é a denominação do ano civil com um dia extra, 29 de fevereiro, acrescentado de quatro em quatro anos ao calendário gregoriano. Foi a solução matemática criada no século 45 a.C. pelo astrônomo Sosígenes para compensar as 6 horas que sobram a cada ano de 365 dias, 5 horas, 48 minutos e 46 segundos, tempo exato do movimento de translação da Terra em torno do Sol. Em 1942, a palavra foi trasladada pelo poeta Vinícius de Moraes (19.10.1913 – 09.07.1980) em artigo sobre poesia brasileira, na revista argentina Sur, de 1942, para se referir em sentido figurado aos poetas “que nós, seus íntimos, chamamos cordialmente de bissextos – poetas sem livros de versos – bissextos pela escassez de sua produção, cuja excelência sem embargo os coloca ao lado dos mais citados”. Com base nessa translação semântica, o poeta Manuel Bandeira (09.04.1886-13.10.1968) imortalizou a expressão “poetas bissextos” em sua Antologia de poetas brasileiros bissextos contemporâneos (Zélio Valverde, 1946). Assim explica no prefácio: Não procurem a expressão nos dicionários, porque não a encontram. Pelo dicionário, bissexto só há ano, e é o que tem um dia a mais, o que ocorre de quatro em quatro anos. Poeta bissexto deve, pois, chamar-se aquele em cuja vida o poema acontece como o dia 29 de fevereiro no ano civil [...] bissexto é todo o poeta que só entra em estado de graça de raro em raro.”; “nego que a circunstância de não publicar os poemas em livro ou em revistas e jornais seja característica...
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CENA BRASILEIRA NA FOTOPTICA-BRASILIENSE / MARIA MORTATTI

A revista Novidades Fotoptica lançada em 1953 e publicada até 1987, com alterações na periodicidade, formato e conteúdo, foi uma das iniciativas de Thomaz Farkas (17.10.1924-25.03.2011), fotógrafo, cineasta e empresário de origem húngara radicado na cidade de São Paulo. Reconhecido como um dos pioneiros da moderna fotografia e do filme documentário no Brasil, ao lado de grandes cineastas do Foto Cine Clube Bandeirantes, Farkas assumiu, após a morte do pai em 1960, a direção da Fotoptica, primeira empresa especializada em equipamentos fotográficos no País. Com formato de jornal, Novidades Fotoptica publicava anúncios de produtos do ramo, divulgação de livros e concursos, artigos sobre técnica fotográfica e audiovisual, exposições, entre outros. A partir de 1970, com formato de revista, passou a publicar também textos críticos e ensaios fotográficos.Não menos importante na cena cultural e literária brasileira foi a Editora Brasiliense, fundada em 1943 na cidade de São Paulo, por reconhecidos intelectuais e escritores brasileiros: Caio Prado Júnior, José Bento Monteiro Lobato, Arthur Neves, Leandro Dupré a Maria José Dupré, cuja casa foi utilizada como primeira sede da editora. A Brasiliense publicou obras fundamentais da literatura e cultura brasileira e internacional, caracterizando-se pelo prestígio de seus autores e como foco de resistência ao Estado Novo e à ditadura militar pós-1964. A partir de 1975, sob a direção de Caio Graco Prado (1931-1992), filho de Caio Prado Júnior, foram lançadas coleções inéditas, como a Primeiros...
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MULHERES IMPRESSORAS, ELIZABETH MALLET E OS ÚLTIMOS DISCURSOS MORIBUNDOS / JOÃO SCORTECCI

A biografia da gráfica e livreira inglesa Elizabeth Mallet (1672-1706) é incrível. Pesquisando sobre mulheres impressoras e editoras na Inglaterra, soube do The Daily Courant, primeiro jornal diário inglês, fundado em 11 de março de 1702. O diário consistia em uma única página, com anúncios no verso. No primeiro número do jornal, Elizabeth Mallet declarou que pretendia publicar apenas notícias e não acrescentaria nenhum comentário próprio, supondo que seus leitores tivessem "bom senso” e “discernimento” para julgar e analisar os fatos. Anúncios somente no verso do jornal, prova do que dizia de não permitir interferências ou influências de anunciantes, políticos e poderosos. A ideia de separar as notícias dos anúncios foi tentada – ao longo do tempo –, por diversos jornais e revistas do mundo todo, sem sucesso. Os anunciantes simplesmente não aceitam! Exigem que seus anúncios ocupem espaços estratégicos e pagam por isso, seguindo os critérios de localização do anúncio no impresso, seu tamanho e relação proativa com a manchete do dia. Depois de menos de dois meses, Elizabeth Mallet vendeu o The Daily Courant para Samuel Buckley. O diário durou até 1735, quando foi fundido com o Daily Gazetteer. Elizabeth Mallet e seu marido, David Mallet, durante as décadas de 1670 e 1680, dominaram o comércio de discursos impressos proferidos por prisioneiros condenados antes da execução em Tyburn, feudo no condado de Middlesex, sudeste da Inglaterra. Os "últimos discursos moribundos” são as últimas palavras de uma pessoa antes da morte ou quando...
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“LE CARNET DES NUITS”: AUTORRETRATO DE MARIE LAURENCIN COMO POETA / MARIA MORTATTI

Marie Laurencin (Paris, 31.10.1883 – 08.06.1956) ficou mais conhecida como “musa de Apollinaire”, poeta com quem manteve turbulento relacionamento amoroso por seis anos, e “la fauvette”, dada sua proximidade com círculos parisienses de artistas da vanguarda da arte moderna do início do século XX. Mas foi em prosa e verso que a conheci, quando ganhei de presente a edição francesa de 2022 de seu livro Le carnet des nuits (Diário das noites). Ao folhear o exemplar, saltou-me aos olhos o prenúncio da autora em um dos textos, instigando-me a adentrar na história dessa mulher, por meio de biografias e estudos recentes sobre sua obra, e conhecer as aventuras do talento da pintora, gravurista, ilustradora, cenógrafa, que registrou em verso e prosa, não apenas um autorretrato, mas também um testemunho de seu tempo.   Le carnet des nuits foi publicado na Bélgica, em 1942, durante a ocupação nazista na França. Em 1956, ano da morte de Laurencin, foi publicada em Genebra a segunda edição. Em 2022, foi publicada na França, pela editora La Coopérative, “edição completa com notas e posfácios dos editores”. O livro é ilustrado com três gravuras e 37 textos curtos, 12 em prosa e 25 em verso, em estilo “surrealista” – conforme alguns críticos. É acompanhado de um anexo, com três poemas de Louise Lalanne, pseudônimo de Apollinaire, publicados na revista francesa Les Magres, em 1909. Dois desses poemas são de autoria de Laurencin, que os cedeu ao poeta para que ele os publicasse com seu pseudônimo. O livro é composto...
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FERNANDO GASPARIAN: ALGUNS ANOS DEPOIS! / JOÃO SCORTECCI

Conheci o editor e livreiro Fernando Gasparian (1930-2006) e o seu filho caçula Marcus, no final dos anos 1990, na gestão do editor e gráfico Altair Ferreira Brasil (1995-1999), então presidente da Câmara Brasileira do Livro, na cidade de São Paulo. Alguém teria dito: “Gasparian é um doido de pedra!”. Algo assim. Gosto dos doidos. Tenho por eles profunda admiração e respeito. Descobri, com o tempo, tratar-se de uma pessoa querida por muitos, respeitada, influente no mercado editorial brasileiro. Foi editor das obras de Fernando Henrique Cardoso, Érico Veríssimo, Celso Furtado, Antônio Callado, Oscar Niemeyer, Francisco Weffort, Paulo Freire e outros. Ex-deputado federal e empresário do ramo têxtil, Gasparian fundou nos anos 1970 o jornal “Opinião” (1971-1975) e a revista “Argumento”, focos de resistência à ditadura militar brasileira. Em 1973, assumiu a editora Paz e Terra, referência no meio acadêmico nas áreas de filosofia, sociologia e ciência política, fundada em 1965, pelo editor Ênio Silveira, também fundador da Civilização Brasileira. Em 1978, com sua esposa Dalva Funaro, Gasparian criou a Livraria Argumento, especializada em livros sobre política, economia e artes. A livraria funcionou inicialmente na cidade de São Paulo, na Rua Oscar Freire, e depois mudou para a cidade do Rio de Janeiro, no Leblon, onde funciona até hoje. Quando editor da Paz e Terra, Gasparian recebeu, das mãos do político e diplomata suíço Jean Ziegler, os originais do livro “Pedagogia do Oprimido”, do educador e filósofo, patrono da educação brasileira,...
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IZUMI SUZUKI E A QUÍMICA OXIMEL / JOÃO SCORTECCI

Fui um péssimo aluno de Química no colegial. Interesse zero! Lembro-me que apenas uma vez em sala de aula um assunto se ocupou de mim. Foi uma aula sobre combinação, fenômeno que ocorre quando substâncias químicas interagem e formam novas substâncias. Gostei das possibilidades. Igual à poesia! Até hoje guardo na cabeça as leis da combinação química e suas interações literárias. Anotei a ideia no meu diário e, anos depois, usei o conceito para escrever o livro “O Eu de Mim - Poema ecológico”, obra original do poema vencedor do IX Prêmio Itajaí de Poesia 1982. No poema, versos sobre química oximel, mistura de mel, vinagre e penas de gralha azul, remédio para as feridas da natureza humana. Talvez tenha sido o único livro que escrevi sobre ecologia, a destruição do planeta, o homem predador, covarde, algo assim. De lá para cá, as coisas só pioraram. Sou um apaixonado pelos livros de ficção científica, da combinação oximel: ciência, tecnologia e imaginação, narrativas sobre o futuro. Tenho uma lista de escritores do coração: Isaac Asimov, Aldous Huxley, Ray Bradbury, Júlio Verne, George Orwell e outros. Hoje conheci a escritora e atriz japonesa Izumi Suzuki (1949 -1986), autora do livro “Tédio terminal”, obra publicada pela DBA editora. Nesse livro, escrito entre os anos 1970 e 1980, Suzuki, visionária, escreveu sobre “cérebro podre”, a temática do vício em telas e tecnologia, estados totalitários, fluidez de gênero e jovens assexuados. A expressão está associada a: consumo de informações simples ou de baixa qualidade, rolagem de...
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O “TOUR” DA FRANÇA POR AUGUSTINE FOUILLÉ / MARIA MORTATTI

A escritora francesa Augustine Fouillé (31.07.1833 – 08.07.1923), de pseudônimo G. Bruno (inspirado no nome do filósofo italiano) é autora de quatro manuais de leitura escolar: Francinet (1889), Les Enfants de Marcel (1887), Le tour de la France par deux enfants (1887), Le Tour de l’Europe pendant la guerre (1916). Le tour de la France..., o mais conhecido, foi utilizado para ensino de leitura, escrita, história, geografia e moral na escola primária francesa. Teve sucesso imediato e sucessivas edições com atualizações e adaptações ao sistema educacional francês. Marcou o ensino primário no contexto da Terceira República Francesa (1870-1940), foi adotado até ao anos 1950 e ainda é editado. Nesse manual, a narrativa em forma romanceada, organizada em 121 capítulos e ilustrada com 200 gravuras, desenvolve-se em torno das aventuras vividas pelos protagonistas, André (14 anos) e Alfred (7 anos), jovens irmãos e órfãos que partem da região da Alsácia-Lorena ocupada pelos alemães depois da Guerra Franco-Prussiana (1870-1871), para encontrar o tio em Marseille, cumprindo o pedido do pai antes de morrer. Durante a viagem pelas províncias francesas, aprendem a importância da educação, do trabalho, dos saberes práticos, da diversidade cultural e linguística, dos símbolos patrióticos, das formas de vida e atividades desenvolvidas no país, reconhecendo-o como nação e pátria. Por meio das lições do manual, inculcavam-se o sentimento de unidade nacional, a moral laica – em substituição...
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A POÉTICA MARGINAL DA “GERAÇÃO MIMEÓGRAFO” NO BRASIL / MARIA MORTATTI

“Poesia marginal” é a denominação atribuída à produção da “Geração mimeógrafo”, constituída de novos poetas brasileiros que, nos anos 1970, durante a ditadura militar pós-1964, escreviam e divulgavam seus poemas “à margem”. Para escapar da censura do regime político e das dificuldades de inserção no meio editorial, recusavam modelos e sistemas literários, acadêmicos, intelectuais e editoriais. Não tinham um projeto ou programa literário. Com liberdade poética, diversidade etária e regional, faziam poesia “coletiva” sobre assuntos do cotidiano, em linguagem coloquial e informal, com tom de improviso, paródias e apropriação de poetas canônicos, protesto políticos contra o regime e contra a crítica literária oficial. Confeccionavam artesanalmente textos e ilustrações em mimeógrafo e buscavam contato direto com o público, expondo sua poesia em muros, praças, ruas, teatros, bares, universidades, eventos e vendendo por preço baixo. Apesar da atitude de recusa, transgressão, independência e resistência ao regime autoritário da época, alguns representantes dessa geração se destacaram já na época pela qualidade estética, especialmente por meio da inclusão na antologia 26 poetas hoje (1975), organizada por Heloísa Buarque de Hollanda. Alguns deles tiveram seus poemas publicados e distribuídos por editoras comerciais, e suas obras vêm sendo reunidas, publicadas e estudadas, já com consistente fortuna crítica. Nos anos 1980, apresentei aos meus alunos de ensino médio poetas dessa geração, que então tinha lido e apreciado: Ana Cristina...
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OSWALD DE ANDRADE, SOPÃO LITERÁRIO E A SEMANA DE ARTE MODERNA DE 1922 / JOÃO SCORTECCI

Conheci o poeta e pintor modernista, Menotti Del Picchia (1892-1988), no final dos anos 1970. Em 1982, quando inaugurei a Scortecci Editora, na Galeria Pinheiros, na cidade de São Paulo, tive a honra de recebê-lo na loja, numa inesquecível tarde de agosto, acompanhado da escritora e acadêmica, Lygia Fagundes Telles. Entre 1982 e 1983, frequentei a casa de Menotti, na Avenida Brasil, na capital paulista. Fiquei amigo também de Helena Rudge Miller, sua enteada, filha de Charles Miller – considerado por muitos o pai do futebol no Brasil – e de Antonietta Rudge, que, nos anos 1920, casara-se com Menotti. De 1934 a 1945, Menotti colaborou com o meu avô, José Scortecci, na revista PAN. Eu, Menotti e Helena conversávamos sobre tudo: literatura, política e principalmente sobre os “causos” da Semana de Arte Moderna, realizada de 11 a 18 de fevereiro de 1922. O "Príncipe dos Poetas" – titulo que Menotti recebeu em 1982 – era “fã” de Juscelino Kubitschek. Na parede da entrada da sua casa, tinha uma foto de JK. Vez por outra, interrompia o papo, apontava para a foto e bradava: “Grande homem!”. Na literatura, o assunto predileto eram as doideiras de Oswald de Andrade. Segundo Menotti, o vate antropofágico era possuído por profunda e insaciável fome. Reuniam-se – costumeiramente – nos fins de semana. Quando Oswald chegava, abria geladeiras, armários, o saco de pão, tudo que cheirasse a comida. O seu apetite era incontrolável! Helena, que participava do papo, balançava a cabeça, rindo, confirmando a prosa. Para fugir dos ataques de Oswald,...
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CONRADUS CELTIS: O COLECIONADOR DE POETAS / JOÃO SCORTECCI

O poeta, historiador e humanista alemão Conradus Celtis (1459-1508) foi também colecionador de manuscritos em grego e latim, quando exerceu o cargo de bibliotecário da biblioteca imperial fundada por Maximiliano I, Imperador do Sacro Império Romano-Germânico, Arquiduque da Áustria e Rei da Germânia, de 1497 até sua morte, em 1519. O imperador homenageou Celtis, oferecendo-lhe um “privilegium” imperial como professor da arte da poesia e da conversação. Em Viena, deu aulas sobre os manuscritos dos escritores clássicos e, em 1502, fundou o Collegium Poetarum, destinado à formação de poetas. Quando jovem, formou-se em artes liberais na Universidade de Colônia e se graduou na Universidade de Heidelberg – ambas na Alemanha –, atraído pela presença do humanista holandês Rudolf Agricola (Roelof Huesman, 1443-1485). A grande obra de Celtis – e a única publicada em vida – foi Quatro livros de amor (Quattuor libri amorum), de 1502. Para muitos críticos, essa é a contribuição mais original do humanismo alemão à literatura renascentista. Celtis também editou e publicou diversos textos sobre a história e a cultura alemã e fundou academias literárias, entre outras atividades, durante os 10 anos em que viajou pela Europa. Em 1488, na Cracóvia, Polônia, fundou a Sodalitas Litterarum Vistulana, uma sociedade literária com base nas academias romanas. Em 1490, na Hungria, fundou a Sodalitas Litterarum Hungaria, mais tarde conhecida como Sodalitas Litterarum Danubiana, com sede em Viena, Áustria. Em Heidelberg, Alemanha, fundou a Sodalitas Litterarum...
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UMA VIAGEM NAS ASAS DE SELMA LAGERLÖF, PRIMEIRA NOBEL DE LITERATURA / MARIA MORTATTI

“... em reconhecimento do idealismo elevado, da imaginação vívida e da percepção espiritual que caracterizam seus escritos”: essa é a justificativa da Academia Sueca para escolher Selma Ottilia Lovisa Lagerlöf (20.11.1858 – 16.03.1940), como a primeira escritora laureada com o Prêmio Nobel de Literatura (1909). Foi também uma das primeiras escritoras feministas escandinavas e a primeira a integrar a Academia Sueca (1914), tendo se consagrado como uma das maiores escritoras de seu país e conhecida internacionalmente. Selma Lagerlöf nasceu e viveu até os 24 anos em Mårbacka, propriedade da família na província sueca de Värmland. Leitora desde cedo, educada em casa como as jovens da época, começou a escrever ainda nessa época. Foi incentivada a publicar seus primeiros versos na revista literária feminista Dagny, fundada pela pioneira ativista dos direitos das mulheres no país, a baronesa Sophie Lejonhufvud Adlersparre (Esselde). Em 1885, formou-se professora e lecionou em escola para meninas em Landskrona, até 1895, quando se mudou para a cidade de Falun e passou a se dedicar apenas à carreira literária. Com a escritora sueca Sophie Elkan (1853-1921) – por quem se apaixonou –, entre 1895 e 1899 viajou para Itália, Egito, Palestina, França, Bélgica e Holanda, recolhendo material para seus livros. Com o dinheiro obtido com seus primeiros livros e com o prêmio Nobel, em 1910 realizou o antigo desejo de comprar de volta a propriedade da família, vendida para salvar dívidas do pai e do irmão. Lá passou a morar até a morte,...
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HAIDI, A “FILHA" DILETA DE JOAHNNA SPIRY / MARIA MORTATTI

Com 10 anos de idade, ganhei um exemplar de Haidi, a filha das montanhas, adaptação do romance infantojuvenil da escritora suíça de expressão alemã Johanna Spiry (12.06.1827- 07.07.1901). De formato pequeno, capa de fundo amarelo, 126 páginas com algumas ilustrações em preto e branco, o livro foi publicado pela Livraria Exposição do livro (SP), sem data, com tradução por Sylvio Monteiro da adaptação (dos dois volumes originais) pela escritora estadunidense Alice Thorne e publicada em 1961 pela Grosset & Dunlap. Foi um presente de D. Elza Canazza, professora de minha turma (feminina) no 4º. ano primário, como prêmio pelo aproveitamento, com louvor, no ano letivo de 1964 no Grupo Escolar “Pedro José Neto”, de Araraquara/SP. Nascida nos Alpes Suíços, Johanna Louise Heusser Spyri começou a escrever aos 43 anos de idade e publicou o primeiro livro em 1873, em Zurich, Alemanha, onde passou a morar depois de casada. Após a morte do marido e do único filho, em 1884, dedicou-se a causas de caridade. Ao longo da vida, escreveu mais de 50 histórias, a maior parte para crianças e com tom didático e religioso, tendo se tornado um ícone na Suíça. Seu primeiro romance para crianças é Heide. Escrita em quatro semanas, a história original de Joahnna Spyri foi publicada em duas partes: Heidis Lehr- und Wanderjahre (Os anos de aprendizado e viagens de Heidi), de 1879/1880, e Heidi kann brauchen, was es gelernt hat (Heidi pode usar o que aprendeu), de 1881. Heide (ou Haidi), é o apelido da protagonista, Adelaide,...
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RUBEM BRAGA E A DESPEDIDA NAS ÁGUAS / JOÃO SCORTECCI

Eu ando apaixonado por crônica. Ela mesma: paixão desbragada! Comecei – confesso – escrevendo prosa poética, combinando prosa com elementos poéticos e, do nada, amanheci preso em seus tentáculos, perdidamente. Fiquei. Hoje, exercício diário, necessariamente obrigatório. Quando não escrevo, sinto-me vazio, devedor de mim mesmo, estranho. O cronista e jornalista Rubem Braga (1913-1990), nasceu em Cachoeiro de Itapemirim/ES. Andei por lá nos anos 1970, tomando banho de cachoeira e espantando moscas do prato. Cidade das moscas! Na hora do almoço montávamos na mesa morrinhos de comida para enganá-las do prato principal: o nosso! Cachoeiro de Itapemirim terra também do cantor Roberto Carlos e outros, também famosos. Rubem Braga iniciou-se no jornalismo aos 15 anos de idade, trabalhando no jornal “Correio do Sul” e no jornal “Diário da Tarde”, fazendo reportagens e assinando crônicas. Formou-se em Direito, em 1932, em Belo Horizonte/MG, mas não exerceu a profissão. Como jornalista, cobriu a Revolução Constitucionalista, movimento armado ocorrido nos estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul, entre julho e outubro de 1932, que tinha por objetivo derrubar o governo de Getúlio Vargas e convocar uma Assembleia Nacional Constituinte. Em 1936, transferiu-se para o Recife/PE, onde dirigiu a página de crônicas policiais no “Diário de Pernambuco”, o mais antigo periódico em circulação da América Latina, fundado em 7 de novembro de 1825, pelo tipógrafo Antonino José de Miranda Falcão. Fundou o periódico “Folha do Povo” e lançou,...
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SEBO DO MESSIAS, A DEUSA ETHYMON E A BIENAL DO LIVRO DE SÃO PAULO DE 1994 / JOÃO SCORTECCI

Eu, Ézio Grassi Peludo e Luiz Caldas Tibiriçá: éramos os ensebados de Pinheiros! No início dos anos 1980 fomos visitar o Sebo do Messias, do livreiro Messias Antônio Coelho (1941-2024), na Praça João Mendes, no centro de São Paulo. “Professor Ézio, o que estamos procurando?”, perguntei. “Algo mais antigo do que nós!”, explicou. Gritei de felicidade: "Encontrei uma edição do livro Quintanares do Mário Quintana!". Ézio, cabreiro, perguntou-me: “Qual o ano da publicação?” "Ano de 1976, 1ª edição, Editora Globo". “Não serve! Ensebado – raro e de valor – tem que ser mais velho do que nós!” Tibiriçá, que nos observava, completou, ironicamente: “Scortecci, edições de 1920 pra baixo!” Ézio nos olhou, sorriu e foi conversar com Camões, que nos chamava no aglomerado português. Passamos o resto do dia por lá, no “ensebado” do Messias. “Quero morrer aqui!”: palavras de Tibiriçá. “Nós também!” Naquele dia comprei duas raridades: uma de Quintana e outra de Guilherme de Almeida. Luiz Caldas Tibiriçá comprou um livro sobre Bartira, índia tupiniquim paulista do século XVI, filha do cacique Tibiriçá (seu tataravô). E Ézio Grassi Peludo comprou um livro sobre a deusa grega Ethymon, mãe de todas as palavras. Conheci a Deusa Ethymon – mãe de todas as palavras – no ano da graça de 1983. Ethymon, a Deusa Grega, já na sua quinta reencarnação, vivia, desde então, no corpo de uma jovem índia, na cidade de Cananéia, no litoral paulista. Ethymon morreu jovem, no ano de 2006, no mesmo dia do passamento do arqueólogo e lexicógrafo Tibiriçá....
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1964, A UBE E A GESTÃO DO JORNALISTA OLIVEIRA RIBEIRO NETO / JOÃO SCORTECCI

O jornalista e romancista Afonso Schmidt (1890-1964), após eleito, tomou posse na presidência da UBE – União Brasileira de Escritores, no dia 18 de março de 1964, alguns dias antes do golpe militar de 1964. Na ocasião, seu vice, o professor e jornalista Luiz Geraldo Toledo Machado (1927-2010), estava em viagem no exterior e não pôde, formalmente, tomar posse, segundo os estatutos da entidade. No dia 31 de março – 13 dias depois da eleição – foi deflagrado o golpe militar de 1964. Três dias depois, no dia 3 de abril de 1964, Afonso Schmidt veio a falecer, deixando vaga a presidência da UBE. Uma assembleia extraordinária foi, então, convocada pelo Conselho Consultivo e Fiscal da entidade, formado pelos intelectuais: Mário Donato, Joaquim Pinto Nazário, Leôncio Basbaum, Solano Trindade, João de Souza Ferraz, Maria José de Moraes Pupo Nogueira, Fábio Rodrigues Mendes, Aristeu Bulhões e Benedito Geraldo de Carvalho. Nova eleição foi marcada, e, na ocasião, foram registradas três chapas, encabeçadas, respectivamente, pelos escritores: Jamil Almansur Haddad, Oliveira Ribeiro Neto e Mário Graciotti. Alguns dias antes da eleição, Haddad e Graciotti renunciaram, e o professor, promotor público, juiz e adido cultural do Itamaraty, Oliveira Ribeiro Netto (Pedro Antônio de Oliveira Ribeiro Netto, 1908-1989), foi indicado como presidente da UBE. Os primeiros anos da sua gestão foram marcados por conturbações na ordem jurídica do País, prisão de escritores e apreensão de livros. A entidade, nesse período, publicou diversos boletins, dirigidos...
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O POETA RABEARIVELO E OS BOIS AZUIS / JOÃO SCORTECCI

O poeta Jean-Joseph Rabearivelo (Jean-Casimir Rabe, 1901-1937), nasceu na República de Madagascar, país insular no Oceano Índico, maior ilha da África e a quarta maior do mundo, situada na costa sudeste da África. Quando nasceu, o país ainda se chamava República Malgaxe, uma colônia francesa, que se tornou independente no ano de 1960. Os malgaxes formam o grupo étnico de mais da metade da população da ilha, hoje estimada em 28 milhões de habitantes. Rabearivelo é considerado o primeiro poeta moderno da África e o maior de Madagascar. Publicou seus primeiros poemas ainda adolescente, em revistas literárias locais. “La coupe de cendres” (1924) é o seu livro de estreia na poesia. Publicou em inúmeras antologias de poesia em francês e malgaxe, bem como críticas literárias, peças teatrais, uma ópera, além de dois romances, publicados postumamente: “L'Interférence, suivi de Un Conte de la Nuit” (1988) e “Irène Ralimà sy Lala roa” (1988). Rabearivelo trabalhou na editora Imprimerie de L’Imerina, como revisor e editor. Passou a ser conhecido na Europa por meio de um artigo, em francês, sobre a poesia malgaxe, publicado pela revista austríaca missionária “Anthropos”. Nos versos do poema “O boi branco” do livro “Quase Sonhos” (1934) (tradução de Antonio Moura, Lumme Editor, 2004), assim se expressa: “Esta constelação em forma de cruz, é ela o Cruzeiro do Sul?/ Eu prefiro chamá-la Boi-branco, como os Árabes./ Ele vem de um parque que se estende às margens da noite/ e se enfurna entre duas Vias Lácteas./ O rio de luz não tem aplacado sua...
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LINDOLF BELL, O POETA DA GERAÇÃO DAS CRIANÇAS TRAÍDAS / JOÃO SCORTECCI

Conheci o poeta Bell (Lindolf Bell, 1938-1998) nos anos 1980. Dizia sempre: “Menor que o meu sonho não posso ser”. Quem nos apresentou foi o também poeta catarinense Péricles Prade (1942-2024), na época Presidente da UBE – União Brasileira de Escritores. Avisou-me: “Scortecci, hoje o Bell vai relançar o seu livro ‘As Annamárias’, no Spazio Pirandello. Vamos?” Fomos em bando: eu, Péricles, Caio Porfírio Carneiro, Lauro Vargas e outros diretores da entidade. O Pirandello ficava na Rua Augusta, n. 311, na época ponto de encontro de jornalistas, escritores e intelectuais. Foi lá que conheci Loyola Brandão, Moacir Amâncio, Caio Fernando Abreu e outros. Naquela noite – inesquecível,  até hoje – de Catequese Poética, movimento de popularização da poesia que teve início na década de 1960, Bell declamou o “Poema das crianças traídas”: “Eu vim da geração das crianças traídas./ Eu vim de um montão de coisas destroçadas./ Eu tentei unir células e nervos, mas o rebanho morreu./ Eu fui à tarefa num tempo de drama./ Eu cerzi o tambor da ternura, quebrado.../ Eu sou a geração das crianças traídas./ Eu tenho várias psicoses que não me invalidam...” Aplausos. Durante alguns anos, vez por outra, trocávamos cartas datilografadas. Guardo-as no memorial da Scortecci Editora. Era seu desejo: "Há muitos anos tento um espaço descentralizador da cultura brasileira no Sul (em Blumenau, Santa Catarina) e gostaria de receber esta obra para revender em meu espaço cultural." Um detalhe, insignificante, talvez. Disse-lhe: “Bell, você precisa limpar os...
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O GOLPE DO LIVRO E AS MAZELAS DO MARKETPLACE / JOÃO SCORTECCI

A Scortecci Editora edita, imprime e comercializa livros desde 1982. Os livros são comercializados por meio de três lojas virtuais próprias, de duas distribuidoras, algumas redes de livrarias parceiras e também por meio do sistema conhecido no mercado como “marketplace”, plataforma de vendas on-line que reúne vários lojistas. O marketplace, que funciona como um tipo de shopping virtual, é um modelo em crescimento no mundo todo e veio para ficar, até segunda ordem. No Brasil, vem apresentando problemas recorrentes de credibilidade, golpes e falências. Problemas passageiros? Talvez. O golpe do livro com preço abusivo virou uma praga e anda fazendo estragos, prejudicando editoras e autores que vendem seus livros por meio dessa plataforma on-line. O golpe começa assim: no dia seguinte, às vezes até no mesmo dia, questão de horas, depois que um livro é lançado no mercado, com preço de capa sugerido – exemplo: R$ 50,00 –, aparecem outros "fornecedores" vendendo o mesmo livro pelo preço abusivo de R$ 150,00. Diariamente recebemos reclamações de autores – indignados – comunicando o erro e pedindo correção. Nada ou quase nada podemos fazer, além de colocar a boca no trombone. No nosso caso, assim que o livro entra em comercialização, enviamos para nossos autores – atualmente mais de 11 mil – os links corretos: das nossas lojas, das lojas do marketplace, das redes de livrarias parcerias e, ainda, o nome das duas distribuidoras com que trabalhamos. No corpo da mensagem, segue nota explicativa e de alerta sobre o “golpe do livro” que assola...
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CRISÁLIDAS MACHADIANAS: EFUSÃO DE ASAS LIBERTAS! / JOÃO SCORTECCI

Crisálidas e Corina: metamorfose! Machado (Joaquim Maria Machado de Assis, 1839 - 1908) tinha, na época, 25 anos de idade, isso no ano de 1864. Terceiro ciclo de vida de uma borboleta: é quando a lagarta atinge o seu ciclo completo, solta a pele e produz a dura casca (casulo) protetora da crisálida. Depois, borboletas no estômago: “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, “Dom Casmurro” e muitos outros. Crisálidas, originalmente, tinha 29 poemas, 17 dos quais foram cortados pelo poeta quando editou “Poesias Completas”, em 1901. Entre os 17 poemas da obra “Os Versos a Corina”, os dedicados à sua primeira musa, cuja identidade ficou escondida no casulo do coração e nunca, jamais, foi revelada. Amor por crisálidas! Machado, maior escritor brasileiro, um dos fundadores e primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras. Machado e seus segredos de lagarta! “Amemos! diz a flor à brisa peregrina, / Amemos! diz a brisa, arfando em torno à flor; / Cantemos esta lei e vivámos, Corina, / De uma fusão do ser, de uma efusão do amor.”. Gosto de pensar que toda borboleta voa o seu derradeiro destino. Muitos chamam de o “terceiro ciclo de vida”. Desapego absoluto! Corina pode ter sido o último amor maduro, pode ter sido uma fantasia qualquer – passageira – ou ter sido, a mutação da alma ou até mesmo o próprio desejo de “metamorfose” machadiana, e ser, infinitamente: o gozo da lagarta no cio, o corpo protetor das formas, do casulo rompido, ou, ainda, uma efusão de asas libertas em dia de queda livre. João Scorte...
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LIVRO DAS MENTIRAS / JOÃO SCORTECCI

Livro de autor aflito é tortura. Novato, então: um desespero só. Pior que tudo: quando o livro é o nosso. Muito sofrimento. Entregamos o livro – quase – pronto, com a promessa de depois – antes de liberar para a gráfica –dar uma olhada final, uma arredondada. Mentira! Quando o livro volta da diagramação, já no boneco, bate aquele desespero mortal. Transpiração! Muda aqui, muda acolá, muda, muda. Jura que escrevi isso? Mexeram no meu arquivo? Doideira. Uma vez copiei o arquivo do livro já diagramado no “Bloco de notas”, depois de volta para o "Word" e reescrevi tudo. Livro novo? Sim. Aquele outro vai ficar para depois. Menti. Já que era outro livro, aproveitei e troquei também o título. Tenho um arquivo só com títulos, ideias e rascunhos. Vez por outra vou lá e trabalho – aleatoriamente – num deles. Qual? Um deles. Mil anos: é o tempo de que vou precisar para terminá-los. Mentira. Nós, escritores, somos mentirosos e covardes. Vivemos com a cabeça nas nuvens. Quando a coisa aperta, filosofamos com os deuses: a poesia salva! Em 50 anos trabalhando com livros – escrevendo, editando e imprimindo – só conheci um escritor honesto, com os pés no chão. Foi o Zacarias, viúvo, na época com 60 anos, da cidade de Osasco, região metropolitana de São Paulo. Fechou contrato de edição do livro e pediu 30 dias para concluir a obra, um romance policial, algo assim. Voltou na data combinada e sentenciou: “Não consigo terminar o livro! Estou desistindo.”. “Quer ajuda?”, perguntei. “Não, obrigado.” Desistiu de vez. Foi embora feliz, aliviado, resolvido....
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DRUMMOND E O DIA 13 DE MAIO DE 2012 / JOÃO SCORTECCI

O poeta Drummond, antes do sol e aos olhos do tempo, ligou-me, tristonho, reclamando da vida, assim que soube do que fizeram com sua estátua da orla de Copacabana, zona sul da cidade do Rio de Janeiro. Estava deprimido e chutando pedras. Estava travestido de “José” e vazio, vencido pelo vasto mundo que é a vida. Pobre poeta Drummond! Falou-me de Itabira – quase nada – da sua terra natal, da sua infância, dos amigos que se foram e das pedras agudas que habitam a imortalidade. “Drummond, o que aconteceu?”, perguntei-lhe. “Roubaram-me os óculos. Assim não consigo ver as palavras, os amores, o sentimento do mundo...", disse-me. Senti sua dor. “Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas”, resmungou. No silêncio do claro enigma, poetamos perdas. Depois, desligou o telefone e partiu – veloz – a galope. João Scorte...
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BIENAL DO LIVRO: COBRA GIGANTE, PEDAÇOS DE MELÃO E LIVROS! / JOÃO SCORTECCI

Da Bienal Internacional do Livro de São Paulo de 1994, realizada no Parque do Ibirapuera, Pavilhão Ciccillo Matarazzo, participei uma única vez, a última, antes de o evento mudar de local. A Bienal do livro de São Paulo, acontecimento realizado a cada dois anos, nos anos pares, acontece desde 1970, pelos espaços do Ibirapuera, do Anhembi, Expo Center Norte, São Paulo Expo e agora, depois de 54 anos, novamente no Anhembi, reformado e ampliado. Em 1994, decidi participar pela primeira vez, de uma bienal do livro. A Scortecci Editora tinha, na época, 16 anos de funcionamento, e a oportunidade era, sem pensar muito, um ato de loucura. Comprei o espaço no último dia possível. Olhei a planta do evento – um labirinto – ou melhor, um caracol, obra do arquiteto Niemeyer, no coração do parque, com 40 mil m² de área e 250 m de extensão. “Uma cobra gigante?”, comentei. “Isso mesmo: o público entra pela boca da cobra e sai pelo rabo”. Foi o que me disseram. Risos. “Formato de cobra?”, quis saber, por curiosidade. “Isso. A ideia é simples: fazer com que o público caminhe, obrigatoriamente, passando por todos os estandes!” Foi o que um diretor da Câmara Brasileira do Livro, entidade promotora do evento, explicou-me. "Um curral!", pensei. Nas entranhas da planta, no meio do corpo da cobra gigante, num vão, embaixo da rampa de acesso ao piso superior, localizei um espaço livre, de 20 m². “Quero este!”, apontei com o dedo. Na verdade, era o último espaço disponível. Fiz o cheque. Fui embora feliz, radiante, mordendo as orelhas de alegria. "Eu...
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GAZZETTA: MOEDA VENEZIANA E A GAZETA DA RESTAURAÇÃO / JOÃO SCORTECCI

“Gazeta” ou “gazzetta” – no dialeto veneziano, “gaxeta” – é o nome de uma moeda de prata da Sereníssima República de Veneza, no valor de dois centavos, do século XVI. O nome vem de empréstimo. Havia um título de 0,948 gramas e um peso de 0,24 gramas. No anverso, estava a figura do Juiz sentado e, no reverso, a do Leão de São Marcos. Foi emitida a partir de 1539, durante o governo do Doge Pietro Lando (1462 – 1545). Foi cunhada com esse peso até 1559. Em 1563, foi publicada a primeira “folha de avisos”, uma folha de notícias vendida ao público pelo preço de dois centavos. A partir de então, tornou-se um epíteto – palavra ou expressão que se associa a um nome ou pronome para qualificá-lo – para jornal, tipo específico de publicação periódica, quando os primeiros jornais venezianos custavam uma gazeta. O primeiro jornal em português, “A Gazeta da Restauração” (formato 14 x 20 cm, 12 páginas) foi fundado em 1641, pelo alvará régio concedido ao poeta, impressor e livreiro Manuel de Galhegos (1597 – 1665), um ano depois de Portugal recuperar a independência, em 1º de dezembro de 1640. Serviu de instrumento de propaganda de D. João IV (1604 – 1656), apelidado de “O Restaurador”, para consolidar o poder e combater os “feitos” dos espanhóis, durante longos 60 anos enraizados no espírito do povo português, principalmente entre a nobreza. Entre 1580 e 1640, a linha fronteiriça que separa a Espanha de Portugal deixou de existir, e os dois países formaram um só reino, chamado de União Ibérica. A primeira edição de “A Gazeta da Restauração”...
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JORGE CURY: "LER É UMA MANEIRA SUAVE DE ESPERAR" / MARIA MORTATTI

Jorge Cury (12.04.1932 – 01.01.2019) foi professor de Literatura Portuguesa no curso de Letras da Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara (Unesp) e um dos fundadores (em 1983) do Centro de Estudos Portugueses da faculdade. Conviveu com Jorge de Sena e Adolfo Casais Monteiro, ilustres poetas, professores e críticos literários portugueses, que lecionaram na faculdade, nos anos 1960, autoexilados no Brasil por causa das perseguições do regime político autoritário de Salazar, durante o Estado Novo (1933 – 1974).  As principais características de Jorge Cury eram o sorriso constante e ironia contundente; simples, afetuoso e firme; católico convicto, enérgico  defensor da justiça social, da Teologia da Libertação e do método "ver, julgar e agir", da Ação Católica, criado pelo padre belga Joseph Cardijn. Para mim, Jorge foi um amigo, espécie de pai espiritual – nos movimentos de jovens católicos que ele liderava – e de pai intelectual – como professor que me ensinou a amar a literatura portuguesa, desde a do período Medieval até à do século XX.Faleceu na noite/madrugada de Réveillon de 2019, em decorrência de um AVC. Semanas antes, visitei-o no apartamento da Av. São Geraldo, em Araraquara. Uma tarde inesquecível com ele, a esposa, Terezinha, e as filhas, Silvana e Maria Eugênia. Muitas lembranças, muitas risadas, muitas histórias memoráveis e um projeto que lhe propus: reunir suas memórias. Concordou. Combinamos que eu iria preparar uma projeto, com gravação de depoimentos em vídeo e pesquisa...
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BORIS SPIVACOW E A QUEIMA DE LIVROS DURANTE A DITADURA MILITAR ARGENTINA / JOÃO SCORTECCI

O editor de livros argentino Boris Spivacow (José Boris Spivacow, 1915 –1994) fundou, no ano de 1966, o CEAL - Centro Editor de América Latina, uma das mais importantes editoras de Buenos Aires e do mundo. Sua destacada atividade no mundo editorial lhe rendeu muitos reconhecimentos e homenagens, incluindo o Prêmio Sul-Americano de Ciências Sociais (1989) e o título de Professor Honorário da Universidade de Buenos Aires (1994). O CEAL nasceu durante a ditadura militar do General Juan Carlos Onganía Carballo, presidente da Argentina, entre 29 de junho de 1966 e 8 de junho de 1970, quando foi deposto por um novo golpe de estado, comandado pelo general Alejandro Agustín Lanusse. A casa editorial funcionou até 1995, ano em que teve de fechar as portas. O CEAL se caracterizou no mercado pela qualidade de seus escritores e pela prática de preços sociais para seus livros. Em 26 de junho de 1980, num terreno vazio de Sarandi – província de Buenos Aires – vários caminhões descarregaram 1,5 milhão de livros – todos publicados pelo Centro Editor de América Latina – que foram queimados numa operação selvagem da ditadura militar argentina. Em “Historia universal de la destrucción de los libros”, o escritor, poeta, ensaísta e diretor da Biblioteca Nacional de Venezuela, Fernando Báez, relata como a escritora argentina Graciela Cabal (Graciela Beatriz Cabal, 1939 – 2004) resumiu o clima que imperava durante a ditadura militar Argentina: “No início tivemos muito medo; eu, cada vez que ia para o CEAL, dizia à minha vizinha de cima que, se até...
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FIGUEIREDO PIMENTEL E A "BELLE ÉPOQUE" CARIOCA / JOÃO SCORTECCI

O poeta, cronista, jornalista, tradutor e autor de literatura infantil Alberto Figueiredo Pimentel (1869 – 1914), nasceu em Macaé, conhecida como a Capital Nacional do Petróleo, município do estado do Rio de Janeiro, distante, aproximadamente, 190 quilômetros da capital. Figueiredo Pimentel manteve por muitos anos, desde 1907, uma seção chamada “Binóculo” na "Gazeta de Notícias", periódico carioca, fundado por Manuel Carneiro, José Ferreira de Araújo e Elísio Mendes, que circulou de 1875 e 1956, chegando a ser um dos principais jornais da capital federal durante a Primeira República. Estreou na literatura, em 1893, com o livro de poesias, de nome “Fototipias”, no sentido de fotografias, imagens, instantâneos, clichês, retratando, então, a “Belle Époque” carioca. É autor da máxima: “O Rio civiliza-se”, slogan que até hoje, ilustra, o espírito carioca. Figueiredo Pimentel obteve grande sucesso entre leitores e leitoras, ditando moda. É considerado o primeiro cronista social da capital. Fototipia na artes gráficas é um processo fotomecânico de impressão que utiliza uma chapa de vidro coberta de gelatina. A técnica foi bastante utilizada nas oficinas de artes gráficas, no início do século XX. Figueiredo Pimentel, publicou, ainda, os livros: “Histórias da avozinha” (conto, 1952); “Histórias da Carochinha” (1894); “Livro mau” (poesia, 1895); O aborto, estudo naturalista (romance e novela, 1893); “O terror dos maridos” (romance e novela, 1897); “Suicida” (romance e novela, 1895) e “Um canalha” (romance e novela, 1895). Morreu jovem,...
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AFONSO SCHMIDT, REVISTA PAN E A LITERATURA INFANTIL DOS ANOS 1930 / JOÃO SCORTECCI

O jornalista, contista e romancista Afonso Schmidt (1890-1964), um anarquista “de carteirinha”, nasceu na cidade de Cubatão, litoral do estado de São Paulo, em 29 de junho. Fundou ainda jovem o jornal “Vésper” e fez parte da redação dos importantes periódicos libertários, “A Plebe” e “A Lanterna”, ao lado de figuras lendárias do movimento anarquista brasileiro, como Edgard Leuenroth e Oreste Ristori. Escreveu para os jornais “Folha de S. Paulo” e “O Estado de S. Paulo”. Na cidade do Rio de Janeiro, fundou o jornal “Voz do Povo”, que se tornou o órgão de imprensa da Federação Operária. Foi preso – várias vezes – por expressar o que pensava e combateu o fascismo e o clericalismo, por meio de panfletos ou de livros, peças teatrais e artigos de jornais. Recebeu os prêmios: Machado de Assis (1942) e Juca Pato (1963). Sua obra mais conhecida é “São Paulo de Meus Amores”, seleta de crônicas sobre a cidade, lançada em 1954, nas comemorações dos 400 anos da capital paulista. Publicou mais de 40 livros, entre eles "O Menino Filipe" (romance), "A Vida de Paulo Eiró" e "São Paulo de meus Amores" (crônicas), "O Tesouro de Cananéia" (contos) ou "A Primeira Viagem" (autobiográfico). Durante alguns anos, foi também colaborador da “Revista Pan” (1935-1945), semanário de propriedade do meu avô materno, o editor e gráfico José Scortecci. Schmidt assinava a coluna “A Nossa Estante” sobre livros e tendências do mercado livreiro. Em 26 de dezembro de 1935, Ano 1, Número 1, página 40, da PAN, escreveu: “Estamos no período em que a literatura para...
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BIBLIOTECA ANCARA, NA TURQUIA / JOÃO SCORTECCI

Istambul, maior cidade da Turquia, antiga Constantinopla, foi a capital do Império Romano (330 – 395), do Império Bizantino (ou Império Romano do Oriente) (395 – 1204 e 1261 – 1453), do Império Latino (1204 – 1261) e, após a tomada pelos turcos, do Império Otomano (1453 – 1922). Istambul, localizada entre o Corno de Ouro – estuário que divide o lado europeu da cidade de Istambul – e o Mar de Mármara – mar interior que separa o mar Negro do mar Egeu –, no ponto em que a Europa encontra a Ásia, foi na Idade Média a maior e mais rica cidade da Europa. A partir de 1923 deixou de ser capital, posto assumido por Ancara, localizada no centro da Turquia, distante 545 km de Istambul. Em 20 de fevereiro de 2020, Ancara inaugurou uma das maiores e mais belas bibliotecas do mundo, com mais de 4 milhões de livros e publicações em 134 idiomas diferentes. Ao todo são 201 quilômetros de estantes de livros, com capacidade de receber 5 mil pessoas. O espaço – 125.000 metros quadrados – está anexado ao complexo presidencial do país e foi idealizado pelo governo turco, junto a intelectuais, ONGs e grupos beneficentes. Parte do acervo foi obtido por meio de doações e, além dos materiais impressos, o acervo on-line disponibiliza 120 milhões de edições digitais de livros e 550.000 e-books.João Scorte...
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OS RENEGADOS DE TREVISAN / JOÃO SCORTECCI

Todos nós conhecemos um João, um Luiz, um José, um Francisco e um Joaquim. Isso eu afirmo e ainda passo recibo, se precisar. Um detalhe: Luiz com “Z”. O nome “Joaquim” tem origem hebraica e seu significado é "Deus estabeleceu" ou "aquele que Deus elevou". A primeira versão do nome em português surgiu em Portugal, por volta do século XVIII. No Brasil, hoje, existem, cerca de 8.566 pessoas registradas com esse nome. Lendo a biografia do “Vampiro de Curitiba”, o talentoso e reservadíssimo curitibano Dalton Trevisan (1925 –     ) que no dia de ontem, 14 de junho, completou 99 anos de idade, encontrei referências sobre a “Revista Joaquim”, de cunho literário publicada entre os anos de 1946 e 1948 (21 edições) por Dalton Trevisan, Erasmo Pilotto e Antônio P. Walger. A escolha do título e do subtítulo da revista – “Homenagem a Todos os Joaquins do Brasil” –, tinha dupla intenção: popularizar o veículo e fornecer ao leitor um indicativo da principal característica do periódico: esconder as autorias de determinadas ideias. A revista teve colaboradores do porte de Poty Lazzarotto, Temístocles Linhares, Vinícius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade, Wilson Martins, Guido Viaro, Otto Maria Carpeaux, Mario de Andrade, Oswald de Andrade, Sergio Milliet, Lêdo Ivo e Mario Pedrosa. Também publicou inéditos em português de Louis Aragon, Tristan Tzara, T.S. Elliot, Garcia Lorca, Rainer Maria Rilke, André Gide e Jean Paul Sartre. Dalton Trevisan – não o conheço pessoalmente – é autor premiadíssimo: Prêmio Jabuti (1960, 1965, 1995...
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