O filósofo franco-argelino Jacques Derrida (1930-2004) acalma os miolos, minhas inquietações e também as dores da alma! Ele e suas “aporias”, que em grego antigo significa contradição, impasse ou dificuldade. Interessante! Em “O livro da Filosofia” (Globo Livros, 2016, p. 310-313), o filósofo explica a sua famosa frase: "Não há nada fora do texto". Quando escrevo ou quando leio – qualquer coisa, não importa – sempre acho e continuo achando que falta algo. Mania chata! Textos antigos são apagados e sofrem mudanças, sempre. A saga não tem fim! Derrida resolveu o problema, creio. Lendo sobre o seu método de desconstrução do texto, consegui entender o que o autor chama de “différance”/“diferência” (com “i”), para explicar que todos os textos escritos têm hiatos, buracos, contradições e impasses. Já disse: Derrida acalma os miolos. Digo sempre: odeio reticências – omissão de alguma coisa que não se quer revelar, emoção demasiada, insinuação. Na poesia é deplorável. Antes de conhecer o pensamento filosófico de Jacques Derrida tratava o assunto como “dilemas literários”, quando solução alguma parecia satisfatória ou desejável. Um sofrimento! No meu livro de poesia “A morte e o corpo”, publicado nos anos 1980, tive que colocar, na última página, esta nota: “Dilema literário para não julgar, fazer o poema sem-fim!”. Foi a solução na época. A cada edição do livro reescrevo o texto, sempre imperfeito. Uma dor que não tem fim. Sobre a frase "Não há nada fora do texto", eu faria uma sugestão, um acréscimo. Ficaria assim: "Não há nada...
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UMA CAIXA DE JOIAS LITERÁRIAS CHINESAS / MARIA MORTATTI
Bibliotecas pessoais, mais do que coleção de livros, guardam caixas de joias literárias garimpadas, escolhidas a dedo. Assim penso cada vez que alguma delas – sem motivo aparente – brilha na estante, entre centenas de outras, oferecendo-se à releitura. Assim aconteceu com a lombada verde-jade e o título branco-pérola de A caixa de joias da cortesã – volume II, coletânea de contos das dinastias chinesas Song (960-1279) e Ming (1368-1644), editado e impresso em Pequim, por Edições em Línguas Estrangeiras, em 1987, e distribuído por Corporação Chinesa para o Comércio Internacional de Livros. O volume, com seis ilustrações em bico de pena, contém cinco contos – “O chapéu de feltra esfarrapado”; “A caixa de joias da cortesã”; “O vendedor de óleo e a cortesã”; “O velho jardineiro”; “A vingança de um homem justo” –, selecionados entre mais de duzentas histórias populares chinesas do século X ao XVII, inicialmente manuscritos de contadores de histórias, em linguagem popular, que se desenvolveram como gênero literário e foram publicados em coleções no começo do século XVII. Não há indicação do nome do tradutor para o português, mas pode-se presumir que seja ou uma tradução brasileira “anônima” ou mais provavelmente tradução direta de algum entre os que, como Gladys Yang, Yang Xianyi e Sidney Shapiro, traduziram para o inglês muitas obras da literatura chinesa clássica e moderna, integrando as publicações da Edições em Línguas Estrangeiras, fundada em 1952 e com milhares de publicações, em dezenas de idiomas, sobre assuntos...
FERNANDA LOPES DE ALMEIDA, UMA CLARA LUZ NA LITERATURA INFANTIL / MARIA MORTATTI
Clara Luz, a fadinha transgressora, Soprinho, que torna as pessoas desejosas de fazer coisas, e Glorinha, a menina perguntadeira, foram as primeiras personagens que conheci dos clássicos da literatura para crianças criados pela escritora e psicóloga Fernanda Lopes de Almeida ([18.08].1927 – 27.12.2023). Pertencia a uma “família das letras”: era neta da escritora Julia Lopes de Almeida e do poeta e jornalista Filinto de Almeida, ambos entre os idealizadores da Academia Brasileira de Letras, e sobrinha-neta da escritora e educadora Adelina Lopes Vieira e presumivelmente parente da poeta Presciliana Duarte de Almeida, membro- fundadora da Academia Paulista de Letras, onde ocupou cadeira n. 8, cuja Patrona é Barbara Heliodora, sua bisavó. Como conta em entrevista recente para a revista Aletria, cresceu na casa da família no Rio de Janeiro e, mesmo antes de ser alfabetizada, gostava de ouvir histórias e contos de fadas clássicos que a mãe contava e a leitura já se tornara hábito. Por volta dos oito anos de idade começou a escrever histórias e poemas, mas não foi como sua avó, “que a isso se dedicou a vida inteira”. Formou-se em Psicologia, exerceu a profissão por 25 anos trabalhando com crianças e escrevia contos e crônicas para adultos – com influências da obra literária da avó Júlia –, que foram publicados em jornais e revistas. Mais tarde, quando começou a escrever para crianças, a principal influência foi Monteiro Lobato, mas logo se libertou pois “já estava muito mais consciente do que queria dizer e como dizê-lo”.Iniciou...
BEST-SELLER CARIMBADO / JOÃO SCORTECCI
“Queremos publicar um livro!” Foi o que escutei do jovem casal. “Dueto literário?”, perguntei. “Não. Livro solo”, explicou o marido, olhando para a esposa. Abriram uma pasta de elástico azul e tiraram um maço de poemas. Mais de 200, creio. O marido, então, começou a fazer uma triagem, entregando para a esposa os poemas selecionados por ele. Estranho. “Essa não! Essa também não!” Foi fazendo uma pilha à parte, com os rejeitados. A esposa observava tudo, calada, aparentemente concordando com a seleção. O marido explicou: “Queremos um livro com 100 páginas, no máximo”. “Selecionem, então, 90 poemas. As demais páginas usaremos para compor as folhas de rosto, sumário, dedicatória e cólofon”, expliquei. Levaram quase uma hora na triagem. “E o título?”, perguntei. Ele escreveu o título num pedaço de papel e me entregou. “E a dedicatória?” A autora escreveu algumas linhas num pedaço de papel e mostrou para o marido. Ele olhou – fez cara azeda – e riscou dois nomes da lista de homenageados. “Esse não! Esse também não!” A esposa balançou a cabeça, concordando. Pronto. Fechamos o contrato e iniciamos os trabalhos de edição. O casal optou por fazer o serviço de revisão na editora. O marido – sempre junto – sentou ao lado da autora e acompanhou a revisão, linha por linha. Na época, ganharam dos funcionários da editora o apelido de “Casal 20”, série de sucesso da televisão americana criada pelo romancista Sidney Sheldon e protagonizada pelo casal rico e simpático Jonathan (Robert Wagner) e Jennifer Hart (Stefanie Powers). Risos. Quando...
FERNANDO, UMA PAIXÃO DE POETA / JOÃO SCORTECCI
Fernando era o nome dele. Tinha 18 anos de idade e era a paixão desbragada da menina poeta, olhos grandes, 16 anos de idade. Quem me ligou na editora foi sua mãe, indicação de uma professora de Letras, autora da Scortecci. Disse-me: “Quero publicar o livro de poesia da minha filha!”. Marcamos, então, uma data para reunião na editora. O livro estava datilografado em papel sulfite e tinha cerca de 60 páginas. Um poema por página, sumário e dedicatória. Título do livro: “Fernando, uma paixão!”. Comecei, então, a folheá-lo, batendo olhos, numa leitura dinâmica. Dedicatória: “Para o Fernando, amor da minha vida”. Li alguns poemas. Parei. Todos contavam a história do amor da poeta pelo príncipe encantado Fernando. Um diário. Olhei para a mãe e ela – adivinhando o meu incômodo – declarou: "Scortecci, preciso publicar esse livro. Essa menina – olhou para a filha sentada ao seu lado – está me deixando maluca. Já infernizou a vida do pai. Chora pelos cantos da casa, não come, não dorme e fala que vai cortar os pulsos”. A jovem poeta balançou a cabeça validando a história. Risos. "Eu quero!”, exclamou, batendo os pés no chão. Nos poemas do livro, eram relembrados o dia em que a poeta conheceu o Fernando, o primeiro encontro dos dois, a paquera, o primeiro olhar, a troca de bilhetes de amor, tardes no cinema e no shopping, o primeiro abraço, os primeiros beijos, quando escondidos viajaram para Ubatuba, e o dia em que ficaram juntos, fizeram amor e juraram amor eterno. Aceitei. Propus uma edição de 100 exemplares, tiragem mínima. A poeta...
NÃO ACHO JUSTO SENTIR DOR / JOÃO SCORTECCI
Vez por outra recebo pedido de autor solicitando avaliação literária sobre o seu trabalho. Alguns desconhecidos. Pergunto, sempre: “Livro de poesia?”. Confesso: gosto do gênero, caminhos em que me sinto confortável. Recuso prosa. Não é a minha praia. Não tenho o conhecimento profissional para tanto. Recomendo, então, procurar ajuda de profissional especializado. O mercado oferece boas opções. Quando o autor não conhece alguém para fazer o serviço e pede ajuda, eu recomendo. No ano de 2022, no início da pandemia de Covid-19, recebi uma solicitação de leitura crítica para um romance com mais de 400 páginas. Autor desconhecido. Procurei no cadastro da editora e não o encontrei. Pesquisei seu nome no Google, sem sucesso. Mistério. No corpo do seu e-mail uma ordem expressa: “Quero que você seja sincero!”. Fiquei surpreso, confesso. Como não poderia ser?, pensei. Respondi, então, educadamente: “Não sou a pessoa indicada para o serviço. Posso indicar ajuda profissional.” Algo assim. Enviei. No mesmo dia – algumas horas depois – veio uma resposta: “Não acho justo pagar por uma leitura crítica. O serviço deveria ser grátis, espontâneo e honesto!”. No parágrafo abaixo escreveu, ainda: “Vou procurar alguém com mais sensibilidade que você!”. Pensei, de pronto, mandá-lo para a PQP e mandar enfiar o livro no caneco. Respirei fundo. Curioso decidi perguntar qual era a sua profissão. Ele respondeu, logo em seguida: “Eu sou cirurgião dentista!”. Antes de deletá-lo do meu mundo, escrevi uma derradeira resposta: “Não acho justo sentir dor....
APOSTA É APOSTA E EU PERDI / JOÃO SCORTECCI
A Scortecci Editora funcionou durante 10 anos, de 1982 até 1992, na Galeria Pinheiros, na Rua Teodoro Sampaio, n. 1.704, loja 13. Usávamos o espaço da galeria para recitais e lançamentos de livros, local com capacidade para mais de 300 pessoas. Naquela época, eu colaborava na organização dos eventos e minha presença fazia parte do negócio. Distribuíamos folhetos, marcadores de livros e cartões de visita. Era na época a única forma de captar novos autores. Funcionava! Não existiam ainda os celulares e a Internet era um luxo, para poucos. A editora tinha na loja uma linha de telefone LP, extensão do telefone alugado de um vizinho. O correio e o boca a boca eram as únicas ferramentas disponíveis para divulgação e promoção de um evento literário e cultural. O público comparecia em peso e prestigiava os eventos. Quando saía uma pequena nota num jornal de grande circulação era a glória. A coluna mais lida na época era a do jornalista Henrique Novak, intitulada “Página do Livro”, no jornal Diário Popular. São dessa época as apostas editor versus autor, para quem acertasse a quantidade de livros vendidos na noite de autógrafos. Apostávamos – quase sempre – uma caixa de cerveja. Eu sempre ganhava! Usava uma matemática simples e infalível. O autor dizia: “Vou vender 200 exemplares”. Eu, então, jogava – sempre – na metade: “Você vai vender 100”. Ganhava quem acertasse o número por aproximação. Eu sempre levava vantagem porque de 150 exemplares para baixo o número era meu. Confesso: nunca faltou cerveja na geladeira da editora. Uma vez,...
LIVRO EM SILÊNCIO E PONTUAL / JOÃO SCORTECCI
O convite foi impresso na Gráfica Scortecci. Dados: título do livro, nome do autor, data do lançamento, horário e local. Do lado esquerdo, a capa do livro e, embaixo da ilustração, os dados técnicos da obra: formato, assunto, número de páginas e ISBN. Convite padrão, nada diferente, apenas um detalhe estranho. No horário estava impresso: “19h30 – em ponto”. Quando vi o convite questionei: “Isso está certo?”. Responderam: “Exigência do autor”. Achei estranho, mesmo assim liberei o convite para impressão. O evento aconteceria no final do mês de maio, na cidade de Santo André/SP, no espaço de uma associação cultural mística. Não conhecia. Quando o autor veio retirar os convites, fez questão de me convidar para o lançamento e eu confirme presença: “Eu vou!”. Na época não existia ainda celular – e muito menos GPS. Usávamos com propriedade o Guia Quatro Rodas, peça obrigatória. Sai de Pinheiros às 17h, em ponto. Cheguei ao endereço 30 minutos antes do horário marcado. No local, apenas o autor. Cerimonioso, vestido com uma capa preta, anel e um bastão de madeira, mostrou-me o local do evento. Um salão. Chão de madeira, quadros de fotos de ilustres nas paredes, cortinas de veludo vermelhas, relógio de parede no canto e no centro, um candelabro girante no teto. Algumas lâmpadas estavam queimadas. O local parecia velho e sujo. No centro do salão, uma mesa retangular, com 24 cadeiras. À frente de cada cadeira, um exemplar da obra do autor, pratos de papelão, garfos e facas de plásticos. Nada mais. O autor mostrou o meu lugar e pediu, então,...
MEDO, O MAIOR INIMIGO DO ESCRITOR / JOÃO SCORTECCI
São muitos os inimigos de um escritor, iniciante ou não! José Francisco – indicação de um amigo dono de uma pequena livraria – ligou-me e quis saber de pronto: “Escrevi um romance e quero publicá-lo: como funciona?”. “Parabéns! O livro está pronto?” Pergunta obrigatória. "Quase!”, respondeu-me. “Falta o quê?” José Francisco, então, soltou a língua e tentou resumir o enredo da sua ficção, sem sucesso. Foi repetitivo, confuso. Parecia ansioso e coberto de medo. “O livro é um espelho da minha vida, com ação, suspense e mistério. Dei uma floreada!”, explicou. “E quando você termina o livro?”, insisti. “Logo!” Muitos escritores ficam no “logo” e, infelizmente, morrem ali mesmo, antes do prelo. Não conseguem terminá-lo. As razões? São muitas. Medo de não agradar ao público leitor, de se expor além da conta, de ser julgado pelos amigos, de receber crítica cruel nas redes sociais, de virar motivo de piada na família e na profissão, de descobrir – da pior maneira possível – que não é criativo, sua história é comum e beira o ridículo. Não é fácil. Existe uma distância imaterial, entre o “quase” e o “pronto”. Medo é o estado emocional provocado pela consciência que se tem diante do perigo. Nos anos 1990 publiquei um livro de um empresário do interior de Minas Gerais. Poucos exemplares. Enviou-me passagem, providenciou hospedagem e eu fui ao lançamento. Evento lindo, num clube da cidade. O livro não foi vendido e foi autografado previamente para cada um dos amigos, personalidades e familiares da cidade. A festa terminou por volta da meia-noite....
DAS ESCOLHAS DE UM LIVRO / JOÃO SCORTECCI
O livro salva. Cura neuroses e alimenta manias. É o que dizem. Acredito nisso. Li na infância as obras de Monteiro Lobato, Júlio Verne e José de Alencar e, na adolescência, os livros “Encontro marcado”, de Fernando Sabino, “O diário de Dany”, de Michel Quoist e “O profeta”, do libanês Khalil Gibran. Pouco mais de 20 títulos. Isso antes de deixar o Ceará e vir morar na cidade de São Paulo, no ano de 1972. Tinha 16 anos de idade. Tornei-me sócio do Círculo do Livro e cliente da Livraria Brasiliense da Rua Barão de Itapetininga e do Largo do Arouche. Não parei mais. Tornei-me, então, um leitor. Na época, autores estrangeiros – na maioria de clássicos – eram raridades nas livrarias, em comparação com os milhares de títulos de hoje. Gostava de um autor e pronto: lia tudo dele. Aprendi, depois – isso levou algum tempo – a caçar novidades nas livrarias do centro da cidade. Tinha tempo. Foi uma época interessante. Fazia assim: olhava a capa do livro, depois o assunto, a sinopse e, por fim, a biografia do autor. Na edição de 2025 do projeto Circule um Livro, realizada na Avenida Paulista, no vão do Prédio da FIESP, na cidade de São Paulo, pude observar o modo operante de três leitores, que colocaram a barriga num balcão de 5 metros e lá ficaram por mais de 30 minutos. O primeiro, um homem com pouco mais de 30 anos de idade, escolheu livros assim, pela ordem: capa, título, assunto e a sinopse no verso de capa. Não abriu os livros, não folheou, não leu as orelhas, não quis saber o nome da editora e muito menos o da gráfica em que foi impresso....
PARA VOCÊ, LEITOR DE LIVROS / JOÃO SCORTECCI
Legal saber que você é um leitor
de livros! Reconhecemos a importância do hábito da leitura e dos benefícios que
ela proporciona: conhecimento, expansão do vocabulário, melhora na escrita, aumento
da concentração, fortalecimento do pensamento crítico, desenvolvimento da
criatividade, prazer estético, entre tantos outros que só os que leem experimentam.Esta pequena nota se destina a
você, leitor consciente da importância de somente comprar livros comercializados
de forma legal e confiável, em livrarias físicas, lojas virtuais,
distribuidoras, casas editoriais, feiras, bienais e eventos literários e
culturais. O produto livro e outros bens culturais – como músicas, filmes, pinturas,
fotos – quando comercializados em endereços piratas e ilegais – físicos ou
virtuais – causam enormes prejuízos ao setor editorial e livreiro e aos
autores. A Internet, infelizmente, através de plataformas irresponsáveis – algumas,
cúmplices – tem sido canal fácil para fraudes, golpes e todo tipo de crime. No
ano de 2024, o prejuízo para autores e editoras chegou a R$ 1,4 bilhão, o equivalente a cerca de 50% do rendimento anual das vendas do setor.No meio digital, hackers são
responsáveis por quebrar travas de acesso a e-books e obter cópias indevidas e
ilegais. Algumas plataformas criminosas trabalham com acervos inteiros em PDF e
oferecem ainda serviços “sob demanda”, em que os usuários pedem títulos
específicos e recebem os arquivos diretamente em sua caixa de e-mail. Tem sido
comum também a criação de grupos de leitura livre ou clube do livro e...
MASSAUD MOISÉS – “TODO LIVRO TEM SUA HISTÓRIA” / MARIA MORTATTI
Massaud Moisés (09.04.1928-11.04.2018), nascido na capital paulista, foi professor de literatura brasileira em colégios e faculdades paulistanas, até seu ingresso, em 1963, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP – Universidade de São Paulo, como assistente da Cadeira de Literatura Portuguesa, então ocupada pelo professor Antonio Soares Amora, que sucedera Fidelino de Figueiredo, professor português que introduziu os estudos de literatura portuguesa nas universidades brasileiras. Em 1954, Massaud Moisés assumiu essa Cadeira e exerceu outras atividades na USP até se aposentar em 1995. No início dos anos 1960, por designação do Governador Carvalho Pinto em seu projeto de expansão do ensino superior paulista, exerceu a função de diretor da Faculdade de Filosofia de Marília e da Faculdade de Filosofia de Assis, ambas incorporadas à Unesp – Universidade Estadual Paulista, criada em 1976. Foi, ainda, professor visitante em universidades estadunidenses e esteve em visita de estudos na Universidade de Santiago de Compostela, Espanha, dirigiu o Centro de Estudos Portugueses da Universidade de São Paulo, ministrou conferências em universidades brasileiras, norte-americanas e europeias. Recebeu do governo português o título de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique e, no ano 2000, assumiu a cadeira de número 17 na Academia Paulista de Letras.Durante meio século, entre final dos anos 1950 e os anos 2000, escreveu e publicou livros – alguns com dezenas de reedições ou edições revistas e aumentadas – sobre literatura portuguesa...
O IMPRESSOR LÉON SCOTT E A IMAGEM DO SOM / JOÃO SCORTECCI
O tipógrafo, bibliotecário e livreiro francês Léon Scott (Édouard-Léon Scott de Martinville, 1817-1879) foi o inventor do fonoautógrafo. Em 25 de março de 1857, obteve a patente francesa nº 17 897 / 31 470; três anos depois, em 9 de abril de 1860, fez com o seu dispositivo a mais antiga gravação existente da voz humana. Léon Scott estava interessado em registrar o som da fala humana de uma forma semelhante à alcançada pela então nova tecnologia de fotografia para luz e imagem. Esperava com o seu invento criar uma forma de registrar a conversa inteira, sem omissões, à semelhança de técnicas de escrita abreviada, como a estenografia, a taquigrafia, a logografia, a pasistenografia, que utilizam caracteres especiais, permitindo que se anotem as palavras com a mesma rapidez com que são pronunciadas. Concebeu a gravação sonora pela primeira vez, quando, debruçado em um texto sobre fisiologia humana, imaginou uma nova possibilidade incrível: se a fotografia podia capturar imagens fugazes com lentes modeladas no olho, uma réplica do ouvido não poderia, de forma semelhante, capturar palavras faladas? Ele a chamou de "a ideia imprudente de fotografar a palavra". Diferentemente do fonógrafo, invenção de Thomas Alva Edison (1847-1931), o aparelho de Léon Scott criava apenas uma imagem do som. A partir de 1853, dedicou-se a desenvolver – por meio mecânico – uma técnica para transcrever sons vocais. Ao revisar gravuras de um livro de Física, deparou com desenhos de anatomia auditiva. Tentou imitar o funcionamento com um dispositivo mecânico,...
LEON FEFFER, O HOMEM QUE CALCULAVA PAPEL PARA LIVROS / JOÃO SCORTECCI
Conheci o ucraniano Leon Feffer (1902-1999), fundador do Grupo Suzano Papéis, no ano de 1996, quando da edição e impressão, para a associação “A Hebraica”, da antologia do I Concurso Literário Consulesa Antonietta Feffer, em homenagem a sua esposa, então recentemente falecida. Leon Feffer dedicou-se ao trabalho comunitário em instituições como a Casa de Cultura de Israel, a Federação Israelita do Estado de São Paulo, o Hospital Albert Einstein e o Colégio Renascença. Foi um dos fundadores de “A Hebraica” e cônsul de Israel no Brasil. Empresário respeitadíssimo e bom de conta “de cabeça”. Para muitos, um adorado “pão-duro”. Veio para o Brasil em 1920, com 18 anos de idade, com a mãe, um irmão e duas irmãs. Seu pai já estava no País desde 1910. Durante os anos de 1920 e 1930, fundou, na capital paulista, a empresa Leon Feffer, voltada ao comércio de papéis, uma tipografia e uma pequena fábrica de envelopes. Morava na Rua Bresser, no bairro do Brás, e usava o porão da casa para armazenar papéis. Para visitar os clientes, usava o bonde. Em 1941, inaugurou sua primeira fábrica de papel, no bairro do Ipiranga, também na cidade de São Paulo. Em cinco décadas construiu um império. Foi Leon Feffer quem me ensinou a calcular a quantidade de papel para impressão de livros. Tudo aconteceu mais ou menos assim: diagramamos a antologia, definimos a tiragem e solicitamos por fax, para a Suzano Papéis – patrocinadora da obra – , oito resmas, com 500 folhas cada, no formato 87 x 114 cm, para impressão. Trinta minutos...
JACK LONDON, O BRASILEIRO / JOÃO SCORTECCI
Não me lembro do ano exato. Talvez 1996. Alguém da Livraria Cultura me ligou e disse: “O Jack London da Booknet vai falar sobre e-commerce de livros”. Algo assim. “Jack London: o autor do livro ‘O Lobo do Mar’? Impossível! O moço morreu em 1916!” “Não! O Jack London brasileiro. O criador da Booknet – depois Submarino, 1999 –, considerada a primeira loja online de livros do Brasil.” Então fui. Auditório lotado, muita gente importante do negócio do livro. Em maio de 1996, na Folha Ilustrada, a jornalista Cristina Grillo, escreveu: “A Booknet põe 12 mil títulos à venda na rede, expectativa é que o acervo chegue a 40 mil em 90 dias. Por meio da Internet, será possível comprar e receber em casa livros de 35 editoras brasileiras e de outras nove livrarias virtuais nos Estados Unidos e na Europa.”. Perguntaram: “Você é parente do escritor norte-americano?”. “Não. Foi um gracejo da minha mãe que tinha ‘London’ no sobrenome e gostava muito do autor”. Risos. Declarou, então: “Foi após uma visita à Amazon, em 1994, que decidi criar a Booknet”. “Amazon?” “Sim. Empresa de tecnologia norte-americana de e-commerce, computação em nuvem, streaming e inteligência artificial, fundada por Jeff Bezos, em 5 de julho de 1994.” O José Henrique Grossi, amigo e na época vice-presidente da CBL, fuxicou no pé do meu ouvido: “Logo a Amazon vai vir com tudo e engolir deus e o mundo!” Profetizou. E, então, soltou sua frase predileta, conhecida por todos: “Merdas cagadas não voltam mais ao cu!”. Risos. Pela Scortecci Editora, trabalhei alguns anos com...
AUGUSTO DE CAMPOS E A INFOXICAÇÃO EM TEMPOS DE IA / JOÃO SCORTECCI
Um dia de cada vez. Lendo sobre o uso e aplicação de ferramentas de Inteligência Artificial na literatura, encontrei algo do outro mundo – literalmente. Já chegamos lá? Talvez. Estava trabalhando numa apresentação para a Abigraf – Associação Brasileira da Indústria Gráfica, intitulada “O produto livro – Das responsabilidades da Indústria Gráfica”, quando dei de cara com um artigo do outro mundo, em que se dizia que um centro espírita estava usando IA, para se comunicar com pessoas que já haviam morrido. Conversas do além, algo assim. Gosto do assunto – muito – o que me obrigou a ler o artigo inteiro. Faz parte. Aqui com as almas penadas da literatura: já imaginaram incorporar uma identidade IA? Receber um mix de escritores malditos, concretistas, modernistas e parnasianos? Doideira! Verdadeira infoxicação literária. Descobri, ainda, que a palavra "infoxicação” é a junção das palavras "informação" e "intoxicação", conceito concebido pelo físico espanhol Alfons Cornellade, para designar a situação em que uma pessoa tenta receber e analisar um número de informações muito maior do que seu organismo é capaz de processar. Dizem – não sei se é verdade – que um ser humano tem a capacidade máxima de ler 350 páginas por dia, caso faça apenas isso o dia inteiro! Desconfio. Já o volume de informações que recebemos diariamente pela Internet é de cerca de 7.355 gigas, o equivalente a bilhões de livros! Lendo sobre os 94 anos do incrível escritor Augusto de Campos e o lançamento do seu livro “Pós Poemas”, algo me chamou atenção – além da conta...
POETAS BISSEXTOS – “ESTADO DE GRAÇA DE RARO EM RARO” / MARIA MORTATTI
“Bissexto” (do latim bis sextum) é a denominação do ano civil com um dia extra, 29 de fevereiro, acrescentado de quatro em quatro anos ao calendário gregoriano. Foi a solução matemática criada no século 45 a.C. pelo astrônomo Sosígenes para compensar as 6 horas que sobram a cada ano de 365 dias, 5 horas, 48 minutos e 46 segundos, tempo exato do movimento de translação da Terra em torno do Sol. Em 1942, a palavra foi trasladada pelo poeta Vinícius de Moraes (19.10.1913 – 09.07.1980) em artigo sobre poesia brasileira, na revista argentina Sur, de 1942, para se referir em sentido figurado aos poetas “que nós, seus íntimos, chamamos cordialmente de bissextos – poetas sem livros de versos – bissextos pela escassez de sua produção, cuja excelência sem embargo os coloca ao lado dos mais citados”. Com base nessa translação semântica, o poeta Manuel Bandeira (09.04.1886-13.10.1968) imortalizou a expressão “poetas bissextos” em sua Antologia de poetas brasileiros bissextos contemporâneos (Zélio Valverde, 1946). Assim explica no prefácio: Não procurem a expressão nos dicionários, porque não a encontram. Pelo dicionário, bissexto só há ano, e é o que tem um dia a mais, o que ocorre de quatro em quatro anos. Poeta bissexto deve, pois, chamar-se aquele em cuja vida o poema acontece como o dia 29 de fevereiro no ano civil [...] bissexto é todo o poeta que só entra em estado de graça de raro em raro.”; “nego que a circunstância de não publicar os poemas em livro ou em revistas e jornais seja característica...
CENA BRASILEIRA NA FOTOPTICA-BRASILIENSE / MARIA MORTATTI
A revista Novidades Fotoptica lançada em 1953 e publicada até 1987, com alterações na periodicidade, formato e conteúdo, foi uma das iniciativas de Thomaz Farkas (17.10.1924-25.03.2011), fotógrafo, cineasta e empresário de origem húngara radicado na cidade de São Paulo. Reconhecido como um dos pioneiros da moderna fotografia e do filme documentário no Brasil, ao lado de grandes cineastas do Foto Cine Clube Bandeirantes, Farkas assumiu, após a morte do pai em 1960, a direção da Fotoptica, primeira empresa especializada em equipamentos fotográficos no País. Com formato de jornal, Novidades Fotoptica publicava anúncios de produtos do ramo, divulgação de livros e concursos, artigos sobre técnica fotográfica e audiovisual, exposições, entre outros. A partir de 1970, com formato de revista, passou a publicar também textos críticos e ensaios fotográficos.Não menos importante na cena cultural e literária brasileira foi a Editora Brasiliense, fundada em 1943 na cidade de São Paulo, por reconhecidos intelectuais e escritores brasileiros: Caio Prado Júnior, José Bento Monteiro Lobato, Arthur Neves, Leandro Dupré a Maria José Dupré, cuja casa foi utilizada como primeira sede da editora. A Brasiliense publicou obras fundamentais da literatura e cultura brasileira e internacional, caracterizando-se pelo prestígio de seus autores e como foco de resistência ao Estado Novo e à ditadura militar pós-1964. A partir de 1975, sob a direção de Caio Graco Prado (1931-1992), filho de Caio Prado Júnior, foram lançadas coleções inéditas, como a Primeiros...
MULHERES IMPRESSORAS, ELIZABETH MALLET E OS ÚLTIMOS DISCURSOS MORIBUNDOS / JOÃO SCORTECCI
A biografia da gráfica e livreira inglesa Elizabeth Mallet (1672-1706) é incrível. Pesquisando sobre mulheres impressoras e editoras na Inglaterra, soube do The Daily Courant, primeiro jornal diário inglês, fundado em 11 de março de 1702. O diário consistia em uma única página, com anúncios no verso. No primeiro número do jornal, Elizabeth Mallet declarou que pretendia publicar apenas notícias e não acrescentaria nenhum comentário próprio, supondo que seus leitores tivessem "bom senso” e “discernimento” para julgar e analisar os fatos. Anúncios somente no verso do jornal, prova do que dizia de não permitir interferências ou influências de anunciantes, políticos e poderosos. A ideia de separar as notícias dos anúncios foi tentada – ao longo do tempo –, por diversos jornais e revistas do mundo todo, sem sucesso. Os anunciantes simplesmente não aceitam! Exigem que seus anúncios ocupem espaços estratégicos e pagam por isso, seguindo os critérios de localização do anúncio no impresso, seu tamanho e relação proativa com a manchete do dia. Depois de menos de dois meses, Elizabeth Mallet vendeu o The Daily Courant para Samuel Buckley. O diário durou até 1735, quando foi fundido com o Daily Gazetteer. Elizabeth Mallet e seu marido, David Mallet, durante as décadas de 1670 e 1680, dominaram o comércio de discursos impressos proferidos por prisioneiros condenados antes da execução em Tyburn, feudo no condado de Middlesex, sudeste da Inglaterra. Os "últimos discursos moribundos” são as últimas palavras de uma pessoa antes da morte ou quando...
“LE CARNET DES NUITS”: AUTORRETRATO DE MARIE LAURENCIN COMO POETA / MARIA MORTATTI
Marie Laurencin (Paris, 31.10.1883 – 08.06.1956) ficou mais conhecida como “musa de Apollinaire”, poeta com quem manteve turbulento relacionamento amoroso por seis anos, e “la fauvette”, dada sua proximidade com círculos parisienses de artistas da vanguarda da arte moderna do início do século XX. Mas foi em prosa e verso que a conheci, quando ganhei de presente a edição francesa de 2022 de seu livro Le carnet des nuits (Diário das noites). Ao folhear o exemplar, saltou-me aos olhos o prenúncio da autora em um dos textos, instigando-me a adentrar na história dessa mulher, por meio de biografias e estudos recentes sobre sua obra, e conhecer as aventuras do talento da pintora, gravurista, ilustradora, cenógrafa, que registrou em verso e prosa, não apenas um autorretrato, mas também um testemunho de seu tempo. Le carnet des nuits foi publicado na Bélgica, em 1942, durante a ocupação nazista na França. Em 1956, ano da morte de Laurencin, foi publicada em Genebra a segunda edição. Em 2022, foi publicada na França, pela editora La Coopérative, “edição completa com notas e posfácios dos editores”. O livro é ilustrado com três gravuras e 37 textos curtos, 12 em prosa e 25 em verso, em estilo “surrealista” – conforme alguns críticos. É acompanhado de um anexo, com três poemas de Louise Lalanne, pseudônimo de Apollinaire, publicados na revista francesa Les Magres, em 1909. Dois desses poemas são de autoria de Laurencin, que os cedeu ao poeta para que ele os publicasse com seu pseudônimo. O livro é composto...
FERNANDO GASPARIAN: ALGUNS ANOS DEPOIS! / JOÃO SCORTECCI
Conheci o editor e livreiro Fernando Gasparian (1930-2006) e o seu filho caçula Marcus, no final dos anos 1990, na gestão do editor e gráfico Altair Ferreira Brasil (1995-1999), então presidente da Câmara Brasileira do Livro, na cidade de São Paulo. Alguém teria dito: “Gasparian é um doido de pedra!”. Algo assim. Gosto dos doidos. Tenho por eles profunda admiração e respeito. Descobri, com o tempo, tratar-se de uma pessoa querida por muitos, respeitada, influente no mercado editorial brasileiro. Foi editor das obras de Fernando Henrique Cardoso, Érico Veríssimo, Celso Furtado, Antônio Callado, Oscar Niemeyer, Francisco Weffort, Paulo Freire e outros. Ex-deputado federal e empresário do ramo têxtil, Gasparian fundou nos anos 1970 o jornal “Opinião” (1971-1975) e a revista “Argumento”, focos de resistência à ditadura militar brasileira. Em 1973, assumiu a editora Paz e Terra, referência no meio acadêmico nas áreas de filosofia, sociologia e ciência política, fundada em 1965, pelo editor Ênio Silveira, também fundador da Civilização Brasileira. Em 1978, com sua esposa Dalva Funaro, Gasparian criou a Livraria Argumento, especializada em livros sobre política, economia e artes. A livraria funcionou inicialmente na cidade de São Paulo, na Rua Oscar Freire, e depois mudou para a cidade do Rio de Janeiro, no Leblon, onde funciona até hoje. Quando editor da Paz e Terra, Gasparian recebeu, das mãos do político e diplomata suíço Jean Ziegler, os originais do livro “Pedagogia do Oprimido”, do educador e filósofo, patrono da educação brasileira,...
IZUMI SUZUKI E A QUÍMICA OXIMEL / JOÃO SCORTECCI
Fui um péssimo aluno de Química no colegial. Interesse zero! Lembro-me que apenas uma vez em sala de aula um assunto se ocupou de mim. Foi uma aula sobre combinação, fenômeno que ocorre quando substâncias químicas interagem e formam novas substâncias. Gostei das possibilidades. Igual à poesia! Até hoje guardo na cabeça as leis da combinação química e suas interações literárias. Anotei a ideia no meu diário e, anos depois, usei o conceito para escrever o livro “O Eu de Mim - Poema ecológico”, obra original do poema vencedor do IX Prêmio Itajaí de Poesia 1982. No poema, versos sobre química oximel, mistura de mel, vinagre e penas de gralha azul, remédio para as feridas da natureza humana. Talvez tenha sido o único livro que escrevi sobre ecologia, a destruição do planeta, o homem predador, covarde, algo assim. De lá para cá, as coisas só pioraram. Sou um apaixonado pelos livros de ficção científica, da combinação oximel: ciência, tecnologia e imaginação, narrativas sobre o futuro. Tenho uma lista de escritores do coração: Isaac Asimov, Aldous Huxley, Ray Bradbury, Júlio Verne, George Orwell e outros. Hoje conheci a escritora e atriz japonesa Izumi Suzuki (1949 -1986), autora do livro “Tédio terminal”, obra publicada pela DBA editora. Nesse livro, escrito entre os anos 1970 e 1980, Suzuki, visionária, escreveu sobre “cérebro podre”, a temática do vício em telas e tecnologia, estados totalitários, fluidez de gênero e jovens assexuados. A expressão está associada a: consumo de informações simples ou de baixa qualidade, rolagem de...
O “TOUR” DA FRANÇA POR AUGUSTINE FOUILLÉ / MARIA MORTATTI
A escritora francesa Augustine Fouillé (31.07.1833 – 08.07.1923), de pseudônimo G. Bruno (inspirado no nome do filósofo italiano) é autora de quatro manuais de leitura escolar: Francinet (1889), Les Enfants de Marcel (1887), Le tour de la France par deux enfants (1887), Le Tour de l’Europe pendant la guerre (1916). Le tour de la France..., o mais conhecido, foi utilizado para ensino de leitura, escrita, história, geografia e moral na escola primária francesa. Teve sucesso imediato e sucessivas edições com atualizações e adaptações ao sistema educacional francês. Marcou o ensino primário no contexto da Terceira República Francesa (1870-1940), foi adotado até ao anos 1950 e ainda é editado. Nesse manual, a narrativa em forma romanceada, organizada em 121 capítulos e ilustrada com 200 gravuras, desenvolve-se em torno das aventuras vividas pelos protagonistas, André (14 anos) e Alfred (7 anos), jovens irmãos e órfãos que partem da região da Alsácia-Lorena ocupada pelos alemães depois da Guerra Franco-Prussiana (1870-1871), para encontrar o tio em Marseille, cumprindo o pedido do pai antes de morrer. Durante a viagem pelas províncias francesas, aprendem a importância da educação, do trabalho, dos saberes práticos, da diversidade cultural e linguística, dos símbolos patrióticos, das formas de vida e atividades desenvolvidas no país, reconhecendo-o como nação e pátria. Por meio das lições do manual, inculcavam-se o sentimento de unidade nacional, a moral laica – em substituição...
A POÉTICA MARGINAL DA “GERAÇÃO MIMEÓGRAFO” NO BRASIL / MARIA MORTATTI
“Poesia marginal” é a denominação atribuída à produção da “Geração mimeógrafo”, constituída de novos poetas brasileiros que, nos anos 1970, durante a ditadura militar pós-1964, escreviam e divulgavam seus poemas “à margem”. Para escapar da censura do regime político e das dificuldades de inserção no meio editorial, recusavam modelos e sistemas literários, acadêmicos, intelectuais e editoriais. Não tinham um projeto ou programa literário. Com liberdade poética, diversidade etária e regional, faziam poesia “coletiva” sobre assuntos do cotidiano, em linguagem coloquial e informal, com tom de improviso, paródias e apropriação de poetas canônicos, protesto políticos contra o regime e contra a crítica literária oficial. Confeccionavam artesanalmente textos e ilustrações em mimeógrafo e buscavam contato direto com o público, expondo sua poesia em muros, praças, ruas, teatros, bares, universidades, eventos e vendendo por preço baixo. Apesar da atitude de recusa, transgressão, independência e resistência ao regime autoritário da época, alguns representantes dessa geração se destacaram já na época pela qualidade estética, especialmente por meio da inclusão na antologia 26 poetas hoje (1975), organizada por Heloísa Buarque de Hollanda. Alguns deles tiveram seus poemas publicados e distribuídos por editoras comerciais, e suas obras vêm sendo reunidas, publicadas e estudadas, já com consistente fortuna crítica. Nos anos 1980, apresentei aos meus alunos de ensino médio poetas dessa geração, que então tinha lido e apreciado: Ana Cristina...
OSWALD DE ANDRADE, SOPÃO LITERÁRIO E A SEMANA DE ARTE MODERNA DE 1922 / JOÃO SCORTECCI
Conheci o poeta e pintor modernista, Menotti Del Picchia (1892-1988), no final dos anos 1970. Em 1982, quando inaugurei a Scortecci Editora, na Galeria Pinheiros, na cidade de São Paulo, tive a honra de recebê-lo na loja, numa inesquecível tarde de agosto, acompanhado da escritora e acadêmica, Lygia Fagundes Telles. Entre 1982 e 1983, frequentei a casa de Menotti, na Avenida Brasil, na capital paulista. Fiquei amigo também de Helena Rudge Miller, sua enteada, filha de Charles Miller – considerado por muitos o pai do futebol no Brasil – e de Antonietta Rudge, que, nos anos 1920, casara-se com Menotti. De 1934 a 1945, Menotti colaborou com o meu avô, José Scortecci, na revista PAN. Eu, Menotti e Helena conversávamos sobre tudo: literatura, política e principalmente sobre os “causos” da Semana de Arte Moderna, realizada de 11 a 18 de fevereiro de 1922. O "Príncipe dos Poetas" – titulo que Menotti recebeu em 1982 – era “fã” de Juscelino Kubitschek. Na parede da entrada da sua casa, tinha uma foto de JK. Vez por outra, interrompia o papo, apontava para a foto e bradava: “Grande homem!”. Na literatura, o assunto predileto eram as doideiras de Oswald de Andrade. Segundo Menotti, o vate antropofágico era possuído por profunda e insaciável fome. Reuniam-se – costumeiramente – nos fins de semana. Quando Oswald chegava, abria geladeiras, armários, o saco de pão, tudo que cheirasse a comida. O seu apetite era incontrolável! Helena, que participava do papo, balançava a cabeça, rindo, confirmando a prosa. Para fugir dos ataques de Oswald,...
CONRADUS CELTIS: O COLECIONADOR DE POETAS / JOÃO SCORTECCI
O poeta, historiador e humanista alemão Conradus Celtis (1459-1508) foi também colecionador de manuscritos em grego e latim, quando exerceu o cargo de bibliotecário da biblioteca imperial fundada por Maximiliano I, Imperador do Sacro Império Romano-Germânico, Arquiduque da Áustria e Rei da Germânia, de 1497 até sua morte, em 1519. O imperador homenageou Celtis, oferecendo-lhe um “privilegium” imperial como professor da arte da poesia e da conversação. Em Viena, deu aulas sobre os manuscritos dos escritores clássicos e, em 1502, fundou o Collegium Poetarum, destinado à formação de poetas. Quando jovem, formou-se em artes liberais na Universidade de Colônia e se graduou na Universidade de Heidelberg – ambas na Alemanha –, atraído pela presença do humanista holandês Rudolf Agricola (Roelof Huesman, 1443-1485). A grande obra de Celtis – e a única publicada em vida – foi Quatro livros de amor (Quattuor libri amorum), de 1502. Para muitos críticos, essa é a contribuição mais original do humanismo alemão à literatura renascentista. Celtis também editou e publicou diversos textos sobre a história e a cultura alemã e fundou academias literárias, entre outras atividades, durante os 10 anos em que viajou pela Europa. Em 1488, na Cracóvia, Polônia, fundou a Sodalitas Litterarum Vistulana, uma sociedade literária com base nas academias romanas. Em 1490, na Hungria, fundou a Sodalitas Litterarum Hungaria, mais tarde conhecida como Sodalitas Litterarum Danubiana, com sede em Viena, Áustria. Em Heidelberg, Alemanha, fundou a Sodalitas Litterarum...
UMA VIAGEM NAS ASAS DE SELMA LAGERLÖF, PRIMEIRA NOBEL DE LITERATURA / MARIA MORTATTI
“... em reconhecimento do idealismo elevado, da imaginação vívida e da percepção espiritual que caracterizam seus escritos”: essa é a justificativa da Academia Sueca para escolher Selma Ottilia Lovisa Lagerlöf (20.11.1858 – 16.03.1940), como a primeira escritora laureada com o Prêmio Nobel de Literatura (1909). Foi também uma das primeiras escritoras feministas escandinavas e a primeira a integrar a Academia Sueca (1914), tendo se consagrado como uma das maiores escritoras de seu país e conhecida internacionalmente. Selma Lagerlöf nasceu e viveu até os 24 anos em Mårbacka, propriedade da família na província sueca de Värmland. Leitora desde cedo, educada em casa como as jovens da época, começou a escrever ainda nessa época. Foi incentivada a publicar seus primeiros versos na revista literária feminista Dagny, fundada pela pioneira ativista dos direitos das mulheres no país, a baronesa Sophie Lejonhufvud Adlersparre (Esselde). Em 1885, formou-se professora e lecionou em escola para meninas em Landskrona, até 1895, quando se mudou para a cidade de Falun e passou a se dedicar apenas à carreira literária. Com a escritora sueca Sophie Elkan (1853-1921) – por quem se apaixonou –, entre 1895 e 1899 viajou para Itália, Egito, Palestina, França, Bélgica e Holanda, recolhendo material para seus livros. Com o dinheiro obtido com seus primeiros livros e com o prêmio Nobel, em 1910 realizou o antigo desejo de comprar de volta a propriedade da família, vendida para salvar dívidas do pai e do irmão. Lá passou a morar até a morte,...
HAIDI, A “FILHA" DILETA DE JOAHNNA SPIRY / MARIA MORTATTI
Com 10 anos de idade, ganhei um exemplar de Haidi, a filha das montanhas, adaptação do romance infantojuvenil da escritora suíça de expressão alemã Johanna Spiry (12.06.1827- 07.07.1901). De formato pequeno, capa de fundo amarelo, 126 páginas com algumas ilustrações em preto e branco, o livro foi publicado pela Livraria Exposição do livro (SP), sem data, com tradução por Sylvio Monteiro da adaptação (dos dois volumes originais) pela escritora estadunidense Alice Thorne e publicada em 1961 pela Grosset & Dunlap. Foi um presente de D. Elza Canazza, professora de minha turma (feminina) no 4º. ano primário, como prêmio pelo aproveitamento, com louvor, no ano letivo de 1964 no Grupo Escolar “Pedro José Neto”, de Araraquara/SP. Nascida nos Alpes Suíços, Johanna Louise Heusser Spyri começou a escrever aos 43 anos de idade e publicou o primeiro livro em 1873, em Zurich, Alemanha, onde passou a morar depois de casada. Após a morte do marido e do único filho, em 1884, dedicou-se a causas de caridade. Ao longo da vida, escreveu mais de 50 histórias, a maior parte para crianças e com tom didático e religioso, tendo se tornado um ícone na Suíça. Seu primeiro romance para crianças é Heide. Escrita em quatro semanas, a história original de Joahnna Spyri foi publicada em duas partes: Heidis Lehr- und Wanderjahre (Os anos de aprendizado e viagens de Heidi), de 1879/1880, e Heidi kann brauchen, was es gelernt hat (Heidi pode usar o que aprendeu), de 1881. Heide (ou Haidi), é o apelido da protagonista, Adelaide,...
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